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Direito à memória e à verdade: duas questões que me comprometem

29 de Agosto de 2011

Esta reflexão foi motivada pelas discussões em torno da exposição fotográfica Direito à Memória e à Verdade e da série de palestras que a FISUL promoveu em agosto em torno dos direitos humanos. A reflexão desenvolve-se ao redor de duas questões. Vamos à primeira. Em um dos debates, um participante levantou para os palestrantes a seguinte questão: Por que os arquivos da ditadura não são abertos? Uma pergunta central e que deveria ser, aparentemente, fácil de responder. No entanto, nenhum palestrante apresentou uma resposta categórica. É claro que existem múltiplas nuances e os palestrantes se sentiram satisfeitos em deixar no ar uma suspeita não conclusiva de diferentes interesses em jogo. Mesmo assim creio ser necessário e interessante tentar dar uma resposta mais precisa a essa questão.

Como a exposição e as palestras circunscrevem, a Ditadura Militar iniciou com um Golpe de Estado, ou seja, a derrubada ilegal de um governo constitucionalmente legítimo. A elite não estava disposta a abrir mão de seus ganhos econômicos e políticos em favor dos trabalhadores que tinham chegado ao poder. Por isso, engendraram o golpe com a elite militar. Para garantir o sucesso, instaurou-se um sistema de torturas e assassinatos daqueles que representavam oposição aos interesses da elite, como bem descreve a exposição. A retomada do período democrático veio pelo esgotamento do sistema ditatorial e a transição foi “negociada”, é o que conhecemos hoje como a “anistia”. Os militares e a elite envolvida queriam garantias de que não seriam julgados pelos crimes cometidos, pelas torturas e assassinatos.

Com a ascensão dos trabalhadores ao poder representados pelo Partido dos Trabalhadores e pela figura emblemática de Lula, todos esperavam que os arquivos da ditadura finalmente fossem abertos e que o povo brasileiro pudesse ter acesso a documentos que auxiliassem a reconstituir a memória desse período. Para surpresa de todos, não foi o que aconteceu. Os arquivos continuaram fechados. Então, assertivamente, é mais do que lógico perguntar por que os arquivos continuam escondidos.

Aqui reside a centralidade de minha suspeita e, portanto, de minha resposta. Ao chegar ao poder, o Partido dos Trabalhadores teve que negociar com a elite econômica, política e militar responsável pelas torturas e assassinatos. Um acordo foi instituído e eu quase posso ouvir o argumento ecoando no ar: “Nós lhes deixaremos governar, mas, em troca, vocês não podem tocar no passado”. Portanto, quando tento responder à questão levantada, só posso concluir: em troca de uma governabilidade, a justiça não foi feita até o momento.

Essa pergunta e a tentativa de resposta estão circunscritas no campo da política. Entrementes, tenho ainda outra questão que diz respeito à Ética. Se perguntarmos aos ditadores, aos torturadores e assassinos por que eles fizeram o que fizeram, provavelmente a resposta será: fizemos isso para o bem do Brasil. Eles possuem a consciência de estarem torturando e assassinando em nome do bem de um povo. Eles estavam pensando no futuro do povo brasileiro. Ou seja, eles fizeram isso por mim e por você. Mesmo que isso tenha ocorrido num tempo em que não havia nascido, tenho que reconhecer que torturaram e assassinaram em meu nome.

Isso me imputa uma responsabilidade ética tremenda, pois, como brasileiro e herdeiro, sou culpado perante a história e perante as pessoas que sofreram nas mãos da ditadura, mesmo que eu não tenha concordado. A culpabilidade advém do ato de terem feito em meu lugar e em meu nome. Sou ainda mais culpado quando os crimes que foram cometidos em meu nome não forem julgados, pois aqueles que decidem não abrir os arquivos e não julgar os crimes o fazem também e meu nome. A injustiça faz-me mais culpado ainda! Assim, é um imperativo que os arquivos sejam abertos e que as pessoas que cometeram esses crimes paguem pelo que fizeram. Portanto, como brasileiro culpado pelos crimes cometidos por outros em meu nome, também tenho o direito de cobrar que se faça justiça. Por isso, posso bradar: Que sejam abertos os arquivos da ditadura já!